O que mais me preocupa em relação à situação atual é que, mesmo com o aumento dos juros da Selic (e é realmente a única ferramenta que qualquer BC tem ao seu dispor para isso), não estamos conseguindo efetividade para combater a inflação. A questão é mais profunda: a inflação atual passa pelos juros da dívida do próprio Estado (ele precisa aumentar o prêmio de seus títulos para rolar sua dívida porque em função do risco de calote percebido por quem compra esses títulos, sejam PF, bancos, empresas, fundos de pensão, etc.) ou seja, ao aumentar o prêmio ele paga mais juros e o espiral só aprofunda. É uma questão de quebra de confiança, pois a maioria simplesmente não acredita que o governo irá fazer o que precisa fazer: controle fiscal, enxugar gastos e despesas. É a expansão monetária do Estado que gera inflação. A correção de preços nas gôndolas não significa aumento de preços, mas perda do poder aquisitivo da moeda: o bem custa o mesmo, mas agora é necessário mais ‘dinheiros’ de uma moeda qualquer para adquiri-lo, porque o ‘dinheiro’ passou a valer menos. Simples assim.
Outro componente da inflação crescer apesar dos esforços do BC em controlá-la por meio da taxa Selic tem um cunho de mentalidade do brasileiro: simplesmente não somos japoneses, kuwaitianos ou chineses, não temos hábito de poupança. Quando vemos a inflação batendo à porta e os juros altos, passamos a antecipar compras ou compramos à vista, por medo de não sermos capazes de fazer isso no futuro. E esse medo é que alimenta o consumo atual. Em uma sociedade onde as famílias têm o hábito da poupança o crédito é mais barato justamente porque há muita gente guardando dinheiro e dispostas a emprestar ao ‘mercado’ em troca de algum juro, então quem toma empréstimo o faz pagando menos, já que a oferta é abundante. Já quando a poupança é insuficiente o crédito se torna mais escasso e caro, ou seja, o tomador de empréstimo paga mais pelo ‘dinheiro’ emprestado porque está competindo por ele com um maior número de tomadores por unidade de ‘dinheiro’.
No Brasil a poupança das famílias é pífia. Além da falta de mentalidade de poupar, o salário médio é baixo (cerca de R$ 2.350,00 - bruto), o que, somado ao custo de vida alto (veja nossa carga tributária escandinava sobre bens e serviços, apesar da entrega raquítica dos serviços públicos) dando pouca margem de manobra para as famílias consumirem e ao mesmo tempo pouparem.
Aqui 50% da população não investe em nada e 68% dos que investem o fazem somente na poupança (que perde para a inflação). O número de brasileiros que investem em outros ativos financeiros não passa de 5%. O endividamento atinge 77% das famílias, sendo que as inadimplentes totalizam 41,8%.
Baixar os juros a fórceps, como alguns defendem, pode até trazer algum resultado de curto prazo para as empresas e seus fluxos de caixa, baixando o valor das linhas de crédito para investimento, etc e pode até tornar a bolsa daqui mais atrativa por um curto período em comparação aos fundos de RF (apesar de seu risco de portfólio concentrado, pois temos poucas empresas listadas em bolsa para ajudar a pulverizar o risco e dar opções aos investidores. Nos últimos 3 anos não foi feito nenhum novo IPO no Brasil, nos EUA, até outubro de 2024 foram computados 186 novos IPO. O Brasil representa menos de 1% do volume financeiro global, os EUA respondem por mais de 50% desse volume e 26% do PIB mundial... só para efeito de comparação), e principalmente ajudaria... o GOVERNO em suas emissões de títulos de dívida. E é esse o real motivo para alguns membros do atual governo insistirem tanto nessa tecla: querem aumentar sua própria dívida pagando menos por ela, mesmo que para isso tenham que corromper a lógica macroeconômica mais básica.
Mas no médio e longo prazos haverá descolamento dos juros futuros, a disparada do câmbio e o aumento exponencial da crise de credibilidade do governo, obrigando novos aumentos de juros para consertar algo que poderia e deveria ser evitado.
Além disso, para quem ganha pouco (75% da população está nas classes CDE), não poupa e já está endividado (e não pode contrair novas dívidas), os juros altos atuais são menos impactantes. Mais importante seria o governo controlar seus gastos, evitar a expansão monetária provocada pelo déficit fiscal, deixando de gerar inflação (depreciação da moeda) que corrói a pouca renda que a maioria das famílias possuem.
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